domingo, 20 de dezembro de 2009

Um Conto de Natal, pela Aluna Conceição Oliveira


O alvorecer espreguiçava-se, lânguido, por entre as montanhas. Os primeiros raios de sol desnudavam a escuridão ao som do chilrear dos pássaros. Já aqui e ali, a paisagem, envolta em xales de neve, dançava por entre matizes de verdes e castanhos terra. O velhinho dormitava no seu leito. Em ambos o tempo cravara as suas marcas. Companheiros de bons e maus momentos, ali estavam partilhando o derradeiro enlace. Longe iam os dias em que o homem jovem e talentoso trabalhara a madeira de castanho, criando a confortável e robusta cama. Agora, as pernas outrora rijas oscilavam trémulas sob o peso do seu corpo frágil.
As portadas da janela deixaram de se mover ao ritmo do dia e da noite. O quarto respirava ao compasso da natureza. E naquela manhã, rasgando a vidraça, alguns raios de sol vieram afagar o rosto do ancião, brincando por entre as rugas da sua pele. Os dedos, nas mãos descarnadas, moveram-se. As pálpebras ergueram-se e logo os olhos ficaram cativos das minúsculas partículas de pó que rodopiavam por entre a luz solar. Um ténue arrepio percorreu todo o seu corpo perante a beleza do amanhecer.
Recordou a noite anterior: a ceia de Natal, as crianças alegres, as prendas, as histórias partilhadas... Todos os anos a repetição de rituais de solidariedade, fraternidade, dádiva. Todos os anos promessas de mudança de vida, de Natal todos os dias, para todos. Valeu-se da pouca força que lhe restava para repetir aos adultos presentes e ensinar às crianças o convite que representa a celebração do Natal:
“ Que cada homem renasça, comprometendo-se a viver com o coração puro como o de uma criança, abrindo-se ao Amor, incondicional. Que através desse Amor construa pontes de solidariedade, de justiça, de igualdade e de fraternidade. E deste modo o Espírito de Natal permanecerá entre nós todos os dias das nossas vidas”.
Lá fora o frio mantinha as placas de gelo intactas sobre as poças de água. Do interior do quarto emanava um calor morno, tranquilo, que foi abrindo caminho por entre a atmosfera gélida, até se dissolver na luz daquele dia de Natal.
  • Imagem: Pintura a óleo de Antonio Allegri, Correggio (1489-1534)
Conceição Oliveira, Aluna finalista do Curso de EAC

4 comentários:

Unknown disse...

Um conto pequenino repleto de detalhes e ilustrações implícitas que convidam o leitor a procurar diferentes perspectivas na vasta informação que lhe é passada.
Parabéns !!!

Jose Monteiro

Anónimo disse...

Parabéns! Gostei muito do conto e da mensagem que ele transmite.
Beijinhos
Leonor O.V.B.

Unknown disse...

Um conto muito agradável de ler na sua discrição tão singela,real, cheia de cor e de um detalhe visível a uma profunda sensibilidade e arte. Visualizei-o em cada detalhe. A mensagem é para perpétuar o acontecimento no hoje e agora...dar-lhe vida. Obrigada pela reflexão que me proporcionou. Mari Emanuel fmm

Unknown disse...

(pensiero do Marcelo): posso dizer que não seria escandalo se tivesse de ser uma famosa poeta. Parabéns.
Os outros que se cuidem...