sexta-feira, 21 de março de 2008

Parcerias público-privado na cultura?!

Pelo menos teve a virtude da sinceridade: na sua primeira intervenção, no passado dia 19 de Março de 2008, no Parlamento, o recentemente empossado Ministro da Cultura – Dr. José António Pinto Ribeiro - assumiu claramente a escassez da dotação orçamental e financeira do seu ministério para a área da cultura. O apelo feito às "parcerias com o sector privado" até poderia ser entendido como uma inusitada adesão da assim considerada "esquerda moderna" a uma política económica de fundo mais liberal para a gestão da cultura. Mas não, pois é apenas motivado pela magreza escanzelada dos draconianos cortes e poupanças orçamentais de um Estado que relega, de vez, a dinamização do sector cultural para as calendas. Já na sua tomada de posse, a 30 de Janeiro, tinha proferido a programática frase que, portuguesmente falando, significa não desistir da omeleta, mesmo que/sobretudo quando os ovos são – na versão da tecnologia avançada – cada vez mais virtuais: "É preciso fazer mais e melhor com menos". Das notícias vindas a lume, quanto à situação dos museus, do património, estatuto do artista, ensino artístico, mecenato, apoio às artes, de tudo isso resulta pouco mais do que um diagnóstico que nos provoca uma sensação de bloqueio e incapacidade de manobra. Eis a crise e o controlo do tenebroso deficit a desabar sobre a cultura, tão retoricamente propalada quando convém! Registamos o tom prudente e avisado de algumas das declarações e intenções do Ministro: lutar contra a lógica de esbanjamento; estudar da hipótese de transferir a gestão dos museus para as autarquias; a sua desconfiança face às situações de subsídio-dependência, admitindo ao mesmo tempo a necessidade do Estado estimular e apoiar a actividade artística e cultural; a necessidade de usar a imaginação e a capacidade de iniciativa na aplicação do mecenato. Tudo isto, vindo de alguém que conhece bem o sector privado, só pode significar que está decidido a colocar (ainda mais) travões na despesa pública com a área da cultura. Reiteramos o nosso ponto de vista: todas estas medidas poderiam ser salutares se integradas numa política de raiz para a cultura, se tivesse lançado a tempo e horas os instrumentos de envolvimento do sector privado, empresarial, autárquico, associativo de modo a garantir uma resposta estratégica e sustentável aos desafios e às exigências que o campo da actividade artística e cultural comporta. Não tendo sido preparados esses instrumentos, não se vê como ou quem possa compensar o paulatino processo de desorçamentação e de desresponsabilização do Estado perante o sector cultural. As sérias dificuldades em que se encontram cerca de três dezenas de museus, bem como a meia centena de monumentos em risco (referidos pelo próprio Ministro) constituem uma ponta da realidade cultural que sustenta o que acabamos de sublinhar.

1 comentário:

Anónimo disse...

Os nossos governantes há muitos séculos que deixaram de inscrever a formação cultural e artística como necessidade da Nação. Não é, portanto, com surpresa que se recebe a notícia de que a crise desaba sobre a cultura. Não são esses mesmos “governantes” frutos dignos dessa falta de formação?
No entanto a Nação de hoje não é a de ontem. Apraz notar que se ontem a sociedade estava calada, hoje questiona, age. A revolução cultural está a realizar-se ao nível das freguesias, dos concelhos, das cidades. Há uma clara diferença. E esta revolução silenciosa é uma semente em crescimento, que irá exigir o seu espaço de direito e de facto. Que se preparem os do “Terreiro do Paço”, que o povo entorpecido acordará finalmente e exigirá a reposição do que é seu de direito – o direito a governar-se.
Só lamento que os Filósofos não assumam a sua verdadeira importância. Estou cansada de ver a Nação “governada” por economistas, engenheiros, advogados (não que não lhes reconheça a utilidade e dignidade, quando disso são merecedores). Porque não uma Nação “dirigida”, “arbitrada” por Filósofos? O Governo ao povo, às autarquias, arbitrados por um conselho de Filósofos.

Conceição Oliveira