terça-feira, 20 de abril de 2010

Anabela Guimarães, Antiga Aluna, comenta a exposição de Lourdes Castro e Manuel Zimbro*


À luz da sombra. Lourdes Castro e Manuel Zimbro 
Em Serralves até 13 de Junho
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A Fundação de Serralves apresenta uma exposição antológica de Lourdes Castro (Madeira, 1930) e Manuel Zimbro (Lisboa, 1944 – Madeira 2003), companheiros e colaboradores na vida como no trabalho. Artista madeirense, Lourdes Castro partiu para Paris na década de 50, onde se cruzaria com artistas como René Bertholo, Christo e o companheiro da sua vida, Manuel Zimbro. Lá, participa num projecto de uma revista experimental, a revista KWY – as letras que não existiam no alfabeto português – e é influenciada pela nova tendência artística da altura, o Novo Realismo e os princípios da collage e assemblage.
Exemplo disso são alguns dos trabalhos presentes na exposição, caixas de objectos reunidos que em comum têm o facto de serem inúteis e pela uniformidade que a artista lhes confere através da aplicação de uma única cor. O que revela um carácter intimista e uma preocupação exacerbada da forma em detrimento dos pormenores, aliás, características que estarão presentes em toda a sua obra.
Sombras em lençóis é uma exuberante mostra do seu talento e uma instalação que domina parte da exposição. São lençóis brancos estendidos em cordas, como telas desfraldadas, onde Lourdes Castro bordou com uma paciência infinita as silhuetas de pessoas amigas, deitadas nos próprios lençóis da artista. Silhuetas que ficaram eternizadas na alvura dos panos, também espalhados em camas dispostas ali mesmo, numa violação consentida de uma intimidade delicada e calma. Estas sombras bordadas, onde a transparência impera e os espaços negativos são preenchidos com cores, remete-nos para a Madeira, ligação espiritual que a artista abraça sem medos, numa carga identitária muito forte.
As sombras repetem-se em inúmeras obras, sempre de pessoas ligadas a si sentimentalmente, ora de familiares, ora de amigos. Lourdes Castro chega a uma altura em que considera a pintura demasiado opaca e decide experimentar trabalhar num novo material, o plexiglass, novidade na altura - anos 60 - e onde materializa um trabalho magnífico através da técnica de serigrafia, pleno de cor e onde as sobreposições ganham uma identidade própria, luminosa e delicada.
O carácter intimista da sua obra atravessa-a transversalmente, tanto estando presente assumidamente em alguns trabalhos – por exemplo em Sombra projectada de minha mãe, intimidade absoluta e transparência subtil – como nas diversas obras que partilhou com o seu companheiro de vida e tão comovidamente aqui apresentadas em trabalhos comuns.
O grande herbário de sombras é um trabalho notável, onde se mistura a ciência – cerca de 100 espécies de plantas da Madeira – e as memórias, a sombra e a luz, a criatividade e o rigor. Em Teatro de Sombras, projecto que iniciou com René Bertholo e depois prosseguiu com Manuel Zimbro, podem observar-se duas sombras, uma escurecida, outra mais luminosa. Dizia a artista, numa maravilhosa declaração de amor, que ela era a sombra e o companheiro a luz. Este amor, esta união de luz e sombra, foi materializado e vivido na ilha da Madeira pelos dois artistas, numa existência a dois, vivenciada no trabalho e no sentimento que os unia.
Nesta exposição pela primeira vez se pode ver alguns trabalhos de Manuel Zimbro, como Torrões de terra e História secreta da aviação, trabalhos magníficos onde se pode observar uma ligação do artista ao mundo natural e uma atenção exaustiva aos pormenores, ao detalhe, à forma. A sua pintura e a sua forma de trabalhar é quase ilustrativa, filigrana, pura, obsessivamente dissecada e posta a descoberto, numa minúcia desconcertante.
As obras dos dois artistas opõem-se e complementam-se, como na vida, concertando-se nas suas sensibilidades. Lourdes de Castro, nos seus rastos e sombras, luz e cor, Manuel Zimbro nos seus volumes e formas, sementes e tons terra. Uma partilha de intimidades que se materializa nos seixos pintados e oferecidos pelo pintor à sua amada e aqui também expostos e partilhados, em frases afectuosas e ilustrativas de um amor imenso: “Do olhar nos olhos”, “Não há o medo”. Não duvidamos e acreditamos. Para ver e rever, em Serralves.

* Texto publicado em colaboração com o Jornal Renascimento
Anabela Guimarães, Antiga Aluna de EACs, a frequentar Mestrado.

1 comentário:

Neoarqueo disse...

Achei este artigo extraordinariamente interessante. Não apenas pela escrita magistral, ultra cativante, mas também pelo carácter informativo que impele a que se faça, obrigatoriamente, uma visita a Serralves. Acima de tudo a Cultura e as artes.