Surgiu, há dias, nos jornais, a notícia de que, na Igreja de S. Francisco, em Guimarães, tinha surgido a maior Árvore de Jessé em ouro de Portugal. O título é um tanto chamativo. O que aconteceu, de facto, é que, durante os trabalhos de restauro, ao retirarem a tinta preta que revestia a árvore, descobriram que ela, afinal, era dourada a ouro fino. Terá sido pintada a negro para evitar a cobiça dos militares franceses durante as invasões.
A árvore de Jessé representa a genealogia real de Jesus Cristo, isto é, os seus antepassados humanos. A iconografia tem origem medieval e baseia-se na interpretação messiânica de um texto do profeta Isaías, cap. 11, 1-2: “Sairá uma vara do tronco de Jessé e uma flor brotará das suas raízes. Espírito de sabedoria e de entendimento, Espírito de conselho e de fortaleza, Espírito de ciência e de temor do Senhor”. S. Mateus, Cap. 1, 5-6, também se refere a Jessé: “Salmon gerou Booz, de Rahab. Booz gerou Obed, de Rute; Obed gerou Jessé; Jessé gerou o rei David”. O evangelista, porém, enumera os antepassados desde Abraão porque ao primeiro dos patriarcas Deus prometeu que tornaria a sua descendência tão numerosa como as estrelas do céu. Por isso inicia a descrição genealógica escrevendo: “Genealogia de Jesus Cristo, filho de David, filho de Abraão”. O evangelista São Lucas apresenta igualmente uma genealogia, no cap. 3, 23-38, descendo de S. José até Adão. Nenhuma destas genealogias tem absoluto rigor histórico, obviamente, razão por que, a partir do séc. XVIII, ela é abandonada.
Recorde-se que os reis antepassados de Cristo e de Maria, já se colocavam nas fachadas das catedrais medievais do séc. XIII, como nas de Paris, Reims, Amiens, apresentando como atributos o manto, o ceptro e a coroa.
Nas primitivas representações vê-se um ramo direito, com folhagem na parte superior, e não uma árvore, conforme, aliás, ao texto bíblico latino que fala em virga e não em arbor. Assim se pode ver na catedral de Poitiers, onde o profeta Isaías segura na mão uma vara, de cujo cimo brota a figura do Menino Jesus.
A árvore começa a aparecer desde o séc. XII. Na sua forma mais completa, apresenta seis elementos iconográficos: Jessé, os reis, a Virgem, o Menino, o Espírito Santo e os profetas.
Jessé, o pai do rei David, está, normalmente, deitado sobre um dos lados, a cabeça apoiada numa das mãos. Pode, contudo, aparecer sentado. Apresenta os olhos fechados, simbolizando o sono e o sonho. A árvore brota ora do ventre, ora das costas (dos rins), maneira eufemística de representar o sexo. Pode também nascer do peito ou do coração.
Nos séculos XII e XIII, a árvore sobe direita. Os reis, antepassados de Cristo, encontram-se normalmente sentados, de frente para o espectador. Por vezes, principalmente em iluminuras, representa-se também o trono onde se sentam. Muitas outras vezes, porém, estão de pé.
A partir do séc. XV, a árvore apresenta ramos do lado esquerdo e do lado direito e os reis saem de grandes flores, certamente por influência do texto latino da Bíblia, onde se fala de flor e não de rebento: “Et egredietur virga de radice Jesse et flos de radice eius ascendit”. O nome deles aparece escrito, muitas vezes, em filacteras, mas também no ceptro e na coroa. O rei David identifica-se facilmente porque empunha um instrumento musical, frequentemente a harpa. Talvez por isso, o séc. XV transforma, por vezes, os outros reis em músicos. Por falta de espaço, os reis são por vezes, apenas dois: David e Salomão. Quando o artista dispõe de espaço suficiente, o número dos reis sobe até doze, o número mais frequente, talvez por semelhança com os doze apóstolos, os descendentes espirituais directos de Jesus Cristo.
No séc. XIII, a árvore pode adquirir a forma de videira carregada de cachos.
Na mesma época, o Menino Jesus é colocado em plano superior ao da Virgem, mas a partir do séc. XV, Nossa Senhora tem-no nos braços e é representada saindo também do cálice de uma flor e envolvida por uma auréola. Nas mais antigas representações, aparece o Espírito Santo sob a forma de sete pombas esvoaçando à sua volta. Num vitral do séc. XIII, da catedral de Chartres, identificam-se mesmo os sete dons do Espírito Santo: Sabedoria (Sapientia), Entendimento (Inteligentia), Fortaleza (Fortitudo), Piedade (Pietas), Conselho (Consilium), Ciência (Scientia) e Temor de Deus (Timor).
No séc. XIII, por exemplo em Saint Denis, Chartres, Angers, à esquerda e à direita da árvore agrupam-se doze profetas, com os olhos levantados para o Céu e apontando com o dedo para Cristo. Cada um é deles é inspirado pela pomba divina ou pela mão de Deus donde se desenrolam filacteras com os respectivos nomes.
Podem também aparecer S. Joaquim e Santa Ana, os pais de Nosse Senhora, bem como S. José.
A partir do Concílio de Trento, certamente por exigências de rigor histórico, esta iconografia tende a desaparecer, mas na península Ibérica atinge talvez o seu maior e mais espectacular desenvolvimento no séc. XVIII, desaparecendo em seguida.
A primeira representação terá sido em pergaminho, no Codex Vyssegradensis, de 1086, mas posteriormente apareceram em vitrais, marfins, azulejos, tapeçarias, esmaltes, em gravuras, em pinturas, em afrescos, em esculturas de madeira ou de pedra.
Em Portugal, encontram-se bastantes representações. Temos, em Braga, um belo exemplar na Igreja de S. Paulo. A mais famosa é talvez a da igreja de S. Francisco, no Porto. Podem ver-se também, entre outras, na Misericórdia de Cabeção (Mora), na matriz de Azambuja, na capela de Nossa Senhora da Penha de França, na Vista Alegre, em Ílhavo, na igreja de S. Francisco, em Estremoz, na matriz de Caminha, em Santa Maria de Beja.
Quem sabe? Se estivermos atentos, pode acontecer que outras se descubram…
Para um estudo mais aprofundado, veja o estudo de Flávio Gonçalves “A Árvore de Jessé na Arte Portuguesa” que poderá encontrar on line.
* Professor na FacFil/UCP-Eacs
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