quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Como me encontrei com Sebastião Alba - por Conceição Oliveira

Não anotei o nome na minha agenda, não seria necessário. O nome do poeta-pensador “Sebastião Alba”, gravou-o na minha memória aquele jovem cuja idade se aproxima da idade do meu filho mais novo, e que frequenta o mesmo curso que eu. Vejo-o ali, na minha frente, partilhando comigo a emoção que sentia ao recordar o homem com quem se cruzara e do qual guardava a imagem, as ideias, as frases, os poemas, que o marcaram.
Dizia-me, então, o meu amigo: "Eu gostava muito de escutar o Sebastião Alba, ele encantava-me com as suas palavras. Um homem muito culto, como poucos. Um grande poeta e pensador. Expressava o seu pensamento sabiamente acerca dos grandes filósofos, escritores, da vida...". Continuando a relatar-me com entusiasmo e emoção o modo como o viu, sentiu e escutou... a vida difícil, a morte trágica.
Confesso que desconhecia o autor, a sua vida e obra. Sugeriu-me, o meu amigo, que eu fizesse um trabalho acerca do poeta Sebastião Alba, para publicação no Jornal “Diário do Minho” – decorria, então, o meu primeiro estágio no âmbito do curso EAC. O poeta, segundo ele, não poderia cair no esquecimento. Deveria, mesmo, ser erguido e colocado em lugar cimeiro, por direito e justiça. Prometi-lhe que iria pesquisar, porque escrever sobre um autor e a sua obra requeria a busca de informação e o estudo da obra. O que implicava tempo, trabalho, reflexão. Mas, à partida, já carregava na minha bagagem a melhor das ferramentas: a certeza de estar perante a memória de um poeta-pensador que tocara com as suas palavras o coração de um jovem; cuja recordação o emocionava ao ponto de sentir a necessidade de exigir vê-lo no lugar que a vida lhe havia negado.
Decidi que apresentaria a proposta do trabalho, incluindo-o no Estágio II, a realizar no segundo semestre.
Contudo, o orientador do Estágio já tinha outros planos: todos os trabalhos a realizar, no segundo semestre (Estágio II), tratariam um tema comum, a música. Assim, não cheguei a apresentar a minha proposta sobre o “Sebastião Alba”.
Mas, a semente estava lançada e germinava na minha mente. Sempre que me deslocava a uma livraria para comprar algum livro, ou simplesmente sondando as novidades, passei a procurar a obra de Sebastião Alba. Nada, não consegui encontrar um livro do autor. Como o tempo era escasso para cumprir com as exigências do curso, da vida profissional e familiar, não me preocupei em tomar a iniciativa de tentar encomendar os livros às editoras (seguindo as referências que entretanto recolhi na internet), deixando ao tempo a missão de me dar espaço para realizar esta minha vontade.
O tempo passou e na minha visita à feira do livro, em Braga, fui novamente “desperta” para a necessidade de prosseguir com a busca da obra de Sebastião Alba. Indaguei junto de alguns stands... nada! Enfim, tratava-se de uma espécie de namoro platónico que se entregava nos braços do tempo, sem grandes sobressaltos, seguro de que o dia da realização chegaria, inelutavelmente.
Por esses dias, um meu sobrinho que cresceu em Braga, e com o qual eu não me encontrava há algum tempo, telefonou-me. Combinamos que ele viria passar uns tempos a minha casa, para repousar. Assim foi, recebi-o neste lugar privilegiado entre a montanha e o mar. Na sua bagagem não faltavam os livros, seus companheiros – partilhamos o gosto pela leitura. Uma noite, durante uma das nossas conversas acerca de livros, autores, ideias, ocorreu-me falar-lhe acerca do Sebastião Alba. “Conheces a obra?”. Sim, conhecia a obra e conhecera o autor... Como acontecera com o meu jovem amigo e colega de curso, também o meu sobrinho partilhava a mesma emoção, entusiasmo e certezas acerca das qualidades do autor. Falei-lhe da minha busca... sorriu.
Mais tarde, já no meu quarto, bateram à porta. “Tia, posso entrar?” - Respondi afirmativamente. A porta abriu-se e o meu sobrinho entrou trazendo um livro na mão direita. Sorria feliz, esticando o braço na minha direcção, disse, “Este livro é para a tia, ofereço-lho”. Olhei o livro, incrédula: ali estava! Escrito em alvas letras “SEBASTIÃOALBA – Albas”, em baixo, um rosto de homem, com barba, olhos cerrados ao peso de pensar o mundo e de carregar a vida. O meu sobrinho explicou-me que comprara o livro na feira do livro em Braga, num “standezinho” que por lá havia. Agradeci e disse-lhe que lho devolveria após o ler - recusou. Agradeci.
As coincidências acontecem. O destino... não posso afirmar que existe, mas acontece... As primeiras palavras que escutei acerca de Sebastião Alba chegaram-me através de um jovem a quem ele tocou o coração e a alma; as primeiras palavras do autor – registadas na sua obra – vieram ao meu encontro, no meu quarto... pela mão de outro jovem, igualmente tocado por esse ser humano que já partiu. É deste sal que se tempera a beleza do “ser humano”.
Agora sinto a gratificação de conhecer “um pouco” da sua obra e do seu pensamento, e compreendo perfeitamente a sedução que exerceu em quem com ele se cruzou em vida. Era um ser “livre” que não sabia ser de outro modo. Pode ser gerador de controvérsias, e daí?
No próximo dia 14 de Outubro ocorre o 9º aniversário da sua morte. Seria uma boa ocasião para as Instituições educativas de Braga marcarem o início de um interesse genuíno pela obra e pelo autor. Oxalá isso aconteça mesmo.
Conceição Oliveira, aluna de Estudos Artísticos e Culturais
DE SEBASTIÃO ALBA:
  • De Pessoa, há uma fotografia, do ano da sua morte, que me vem perseguindo. Matar-se já não é um gesto irrepetível, individual (dirigido contra si próprio). O suicídio começa a ser colectivo, nosso contemporâneo.
  • Os pobre-diabos deste mundo (e os donos deles sentam-se ao lado uns dos outros, à nossa vista) só têm uma solução: organizar-se inteligentemente. Ou morrem. Agradeço ao escritor norte-americano Jack London (aventureiro e suicida) o cão de trenó que me deu. É infalível. Quando há uma fenda (neste mundo gelado) estaca, eu aproximo-me dele para ver o que há, e ficamos os dois ali a pensar na rota e na puta da vida. A vida está com os cornos desembolados; enquanto grandes toureiros a enfrentam, na arena, eu, na fasquia, observo como ela marra. Quero aprender, com eles, a voltear bem a capa, ou a colhida é certa.
(Da obra: Alba, Sebastião. Albas, Biblioteca “Primeiras Pessoas”, vol. 2. Vila Nova de Famalicão: Quasi Edições, 2003, p. 36)

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