segunda-feira, 18 de maio de 2009

A arte, a crise e a oportunidade*

Afinal, não é só nos mercados financeiros e nos sectores da banca, do imobiliário e afins que a ausência de uma legítima instância de regulação proporcionou livre curso à "invenção" de produtos tóxicos, envenenando a economia mundial e gerando a tremenda crise que hoje assola o planeta. Também no respeitável mundo da arte (!), exactamente nos mercados da arte algo de similar se passa/ou. Da França, com a sua sismográfica sensibilidade aos abalos culturais, vem a precisa denúncia e constatação de que «sem nenhum controle, nem do poder político, nem dos artistas, o aparelho de Estado para a arte contemporânea fica totalmente entregue a si mesmo e às injunções do grande mercado especulativo». Quem o afirma é Pierre Souchaud, no editorial do nº 46 (Mars-Avril, 2009) da revista Artension. Este lutador infatigável pela “reinscrição da arte no horizonte do humano” olha para a crise sistémica em que estamos mergulhados, perscrutando nela não apenas a oportunidade de o “sistema da arte” se limpar dos “modernos janíçaros” da arte contemporânea (que o poder político alimentou descaradamente), mas também como a oportunidade de se proceder às «mudanças estruturais para reintroduzir no dispositivo das instâncias de controlo, regulação e avaliação». Souchaud vê já alguns sinais «de uma tomada de consciência política» capaz de encetar essas reformas. Não é, portanto, um olhar pessimista nem céptico. Se este tema lhe interessa, caro/a leitor/a, então não perca de vista o dossier que enriquece aquele mesmo fascículo. Nele, a socióloga da arte Nathalie Heinich e Claude Mollard avançam com proposições que abrem pistas para a implementação das necessárias transformações. Por sua vez, Aude de Kerros traça um conspecto histórico daquele aparelho de Estado, bem como da sua ligação ao rótulo “arte contemporânea”, permitindo localizar com mais especificidade as peças a substituir, os vírus a combater. Os textos deste dossier poderão ser lidos no endereço http://www.artension.fr/ * Recordo-me de, numa das “ligações” com que mapeava as suas crónicas da contemporaneidade, Eduardo Prado Coelho se ter referido à perspectiva de J. Derrida, segundo a qual “onde existe um perigo existe também uma oportunidade”. Por analogia, o perigo é a crise, e a depuração do sistema da arte a sua oportunidade.
Carlos Morais (UCP/FacFil)

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