Uma viagem dentro da viagem. Foi assim que me experimentei, em
Serralves, na exposição dessa lenda viva da arte contemporânea, Robert Rauschenberg. A exposição intitulava-se, precisamente, "
Em Viagem 70-76".
De Robert Rauschenberg sabia-o um libertário… vagueou pelo expressionismo abstracto, pelo dadaísmo, pop-art… acima de tudo era um artista que primava pela liberdade, apelando à criatividade na busca incessante de novos materiais para as suas obras. O seu trabalho mais conhecido, "Combines Paintings", era uma mistura de pintura, colagens e objectos vários. Avesso à pintura tradicional, procurava aliar a obra de arte à realidade, à vida, a situações comuns, ao quotidiano. A minha curiosidade pela presente exposição era grande, não sabia o que iria encontrar, pois a década de 70 era um dos seus períodos menos conhecidos.
Decidi levar à letra o título da exposição e vê-la em viagem. Ora, o que fazemos nós quando estamos em viagem? Começamos logo pela observação sumária do lugar, neste caso, da exposição.
Cartões, banheiras com água e garrafões suspensos, rodas de bicicleta, carrinhos de mão… enfim um sem número de objectos aparentemente comuns… hum!… isto promete! Esperava ver algo de diferente, mas mais à base de pintura e escultura. Afinal, a minha viagem vai ser mais surpreendente do que esperava!
Mas antes de mergulhar a fundo na exposição, decidi observar os meus supostos companheiros de viagem que naquele dia não eram muitos. Um jovem de ar interessado fazia um movimento constante de vaivém com a cabeça, entre as obras e o folheto da exposição. Dada a inexistência de títulos, pressupus, buscaria uma pista, uma explicação para o que observava. Mas olhando-o mais atentamente fiquei com a impressão de que, ou abrandava o ritmo do olhar, ou rapidamente enjoaria da viagem… Perto de si, uma mulher aparentando meia-idade (que horror!... o que eu fui dizer! And me?) vagueava com ar perdido, procurando entender o que a circundava, longe de se dar ares de vencida… Noutra sala, um casal de mão dada, observava cada obra, interessadíssimo, trocando impressões um com o outro, visivelmente entusiasmados. A maior parte das outras pessoas exibiam expressões impenetráveis, não se vislumbrando qualquer reacção nos seus rostos, nem de agrado, tão pouco de desprazer. Mas foi a reacção de duas jovens, andariam pelos vinte, que me chamou a atenção. Discutiam as obras, uma a uma, espreitavam, aproximavam-se, distanciavam-se, segredavam e sorriam, descontraídas. Aparentemente apreciavam (curtiam?) a exposição. Engano meu e total, pois delas – para surpresa minha – ouvi o que não esperava: debruçando-se mais sobre uma das obras (da série "Cardboards"), segredava uma à outra: "Tás a ver? Qual é a piada disto?! Isto também eu fazia! ".
Tss… menina, que desilusão… apeteceu-me repreendê-la do alto da minha estima p'la arte contemporânea: "Pois podias… mas não fizeste. E aí reside toda a diferença!". Lamento não ter tido coragem para tanto.
Benéfico episódio que me levou a concentrar-me e a ver finalmente a exposição, a continuar a minha viagem propriamente dita. Mas quanto a esta… não digo mais. Apenas que valeu a pena percorrê-la e se possível revisitá-la. É como entrar num laboratório de artista, em absoluta fase criativa, é mergulhar fundo em pleno borbulhar vanguardista. Recomendo vivamente estas viagens…
Texto de Anabela Guimarães, Licenciada em Estudos Artísticos e Culturais